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Burkina FasoOs livros em forma de muro
Texto e Fotos: Flora Pereira da Silva
Arte: Natan Aquino

 

 No começo o céu e a terra formavam uma única cabaça redonda até que Deus a dividiu em dois, uma metade desceu e formou a terra, a outra metade foi levada por Ele, formando o céu. Deus então soprou um grande vento na terra, que passou do estado líquido para o sólido, e depois fez chover para fecundar o mundo e criar os espíritos, que seriam as mães da terra, aqueles que ligariam os homens à divindade, e que levariam as novidades de uma metade da cabaça para outra. Terreno preparado, Deus fez então descer por uma corda o primeiro homem, o ancestral do mundo. Ele portava roupas de carneiro e trazia com si uma cabaça, recheada de grãos, árvores, montanhas e da humanidade. Este primeiro homem era um Kolo, o mais antigo ancestral da terra, aquele que não tem pai nem mãe, os ‘primeiros’.

 

 

A história é contada pelo guia do vilarejo de Tiebele, Zier, localizado no sul de Burkina Faso. O guia, que é da etnia Kassena, explica a origem de sua sociedade, que foi criada e desenvolvida pela população Kolo. “Os primeiros habitantes da terra e os mais antigos ancestrais do mundo”, explica Zier. Segundo ele, a história local, passada de geração em geração, conta que o nome Kassena veio depois, quando, no século XV, um príncipe Mossi, etnia que dominava a região norte e central de Burkina Faso, fundou o primeiro reino, onde estava localizado o vilarejo de Tiebele, até então habitado pela população autóctone, os Kolo.

 

 

 

 

 

 

Fugindo de uma briga entre irmãos pela disputa do trono, o príncipe encontrou apoio entre a população local. Ali existiam duas comunidades que não se entendiam e ele, estrangeiro, foi escolhido como mediador na tentativa de acertar o conflito. Logo se casou com uma mulher da região, ganhando força, confiança e estabilidade na comunidade e, assim, muitos membros da sociedade Mossi os seguiram, instalando-se nas colinas de Tiebele. Com o crescimento exponencial da população, nasce o primeiro grande reino Kassena, também conhecido como Gourounsi.

 

 

Existem outras versões da origem do reino. Alguns acreditam em uma história inversa, que começa com a vinda da população da região do Lago Chade no século XII e continua com a luta local contra a invasão Mossi no século XVI, que buscava por escravos na província. As diferentes comunidades étnicas que formavam a sociedade valorizavam a autonomia e independência da região e lutaram com braveza contra a dominação Mossi. Pelo êxito da resistência, os Gourounsi foram considerados impenetráveis pelas espadas dos invasores, impermeabilidade atribuída ao consumo de medicamentos tradicionais poderosos. Gourounsi, assim, é uma derivação do termo Guru-si, ‘aqueles em que o ferro não entra’.

 

 

 

 

 

 

Seja o reino fundado pelo príncipe Mossi em junção com a comunidade Kolo seja o reino formado pela resistência da população Gourounsi, as estruturas sociais são mantidas e parecidas desde então. Hoje 67 vilarejos formam a cidade de Tiebele, cada um representado por um chefe de estado que responde ao rei. São 80 mil pessoas calculadas no último recenseamento, sendo 400 delas da família real, entre elas os 12 nobres do Rei, responsáveis pelos ministérios administrativos. O vilarejo da realeza, distinto na arquitetura e na estética, forma a Corte Real, hoje patrimônio nacional de Burkina Faso. A organização da corte real é diferente de outros vilarejos. Ali estão localizadas as principais construções da sociedade Kassena, o palácio da justiça, os edifícios reais de 400 anos e os túmulos sagrados, entre eles, o do primeiro rei, preservado desde o século XVI.

 

 

O túmulo é sobreposto por um monte de terra considerado sagrado onde cotidianamente são realizadas oferendas aos antepassados. Ao redor do monte ou empilhados sobre ele, estão vasos de cerâmica com placentas de crianças, oferecidas com água e vinho aos ancestrais pela população, que pedem pela proteção dos recém-nascidos. Ao lado do túmulo, se estende o vilarejo, com as habitações de arquitetura tradicional Kassena, que são estruturadas em três diferentes modelos. A casa mãe leva a forma de oito e, com diferentes cômodos, é habitada pelos avós e pelas crianças. A casa redonda, com telhado de palha, é reservada aos homens solteiros. E por fim, a casa retangular é destinada aos jovens casais.

 

 

A habitação tradicional Kassena consiste em casas de barro retangulares e redondas com telhados substituídos por terraços, que são utilizados tanto para a secagem de grãos quanto para acomodação durante a estação seca, uma vez que nesse período o interior da casa é quente e abafado. Ainda, cada edifício traz uma cozinha exterior e um pátio para o gado cercados e protegidos por um muro, com uma abertura no lado oeste. A história de disputa e defesa de território influenciou diretamente na arquitetura local. As casas têm um aspecto de fortaleza cuja entrada principal não passa de 50 centímetros. A estrutura do ingresso se mantém dentro da construção, nas passagens entre um cômodo e outro. A técnica servia para que, nos períodos de guerra, o inimigo fosse obrigado a se curvar na entrada da casa, lhe colocando em uma posição vulnerável a fim de que sua cabeça fosse cortada durante a invasão. A cada trecho percorrido no vilarejo real, existe uma história a ser contada e assim as lendas, contos e tradições completam o charme da arquitetura Gourounsi.

 

 

 

 

 

 

No entanto, o que torna o local único não está nas entranhas da construção e sim no acabamento de suas paredes externas. Os muros das casas trazem pinturas e símbolos originais que narram a vida de seus habitantes, assim como suas crenças e seus valores. Se os homens são responsáveis por levantar os edifícios, as mulheres são as responsáveis pela decoração. A pintura é feita em três camadas. A primeira é com esterco de vaca fresco, misturada com a terra colante, uma pasta feita com argila que é passada no muro, formando uma camada de 2 a 3 centímetros de espessura. A segunda é com esterco de vaca líquido, passado sobre a primeira camada. E por fim é passada uma camada de argila vermelha.

 

 

O muro então é polido para que as tintas possam tomar seus lugares. A cor preta é feita da diluição em água de cascalho de rocha vulcânica, o grafite, enquanto a cor branca vem do kaole, uma pedra de silicato de magnésio. Ambas as cores são aplicadas em um fundo vermelho, feito de barro misturado com água e vagens de cozinha de uma folha de árvore chamada nere. Para trazer vivacidade aos desenhos, uma espécie de verniz é passada no muro, que mantém um brilho especial mesmo após as estações de chuvas e ventos. Na cultura Gourounsi, as pinturas são muito mais do que um motivo decorativo, elas são os instrumentos de educação e se apresentam como escolas a céu aberto. Os muros trazem em seus detalhes mensagens e valores que ajudam a perpetuar costumes e sabedorias.

 

 

Cabe às mulheres mais velhas o papel de professoras. Semanalmente as avós reúnem as crianças para explicar o significado de cada símbolo e sua importância na cultura local. As pinturas de redes de pesca, por exemplo, servem para ensinar às crianças da importância desta profissão, uma vez que a atividade salva a fome. Os pés de galinha lembram que o frango é uma das ofertas mais importantes aos ancestrais. A tartaruga é o totem da família real, e as avós lembram seus netos que é proibido a qualquer membro da família comer sua carne. Os morcegos também são sagrados e o desenho de suas asas ensina que o animal protege contra os maus espíritos e, que por isso, é proibido matá-los: as casas onde não existem morcegos são amaldiçoadas. Outra presença importante é a do lagarto. Se uma casa, depois de três dias que foi construída não recebe a visita do animal, ela é demolida. O lagarto é um símbolo da boa arquitetura. Os símbolos são muitos e cada parede pintada descobre-se uma nova lição. Ali, estão os livros de educação da sociedade Gourounsi, onde de geração em geração é costurada uma história milenar, que sobrevive ao tempo, aos ventos e às chuvas.

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